RIO TEJO (Parte 2) A Descida

Foi um cedo erguer e ainda de noite lá parti do profundo Alentejo em direcção à Barragem do Fratel, local de encontro das três almas que se propuseram a descer o Tejo.

Entre o reconhecimento e a descida, foram encetadas várias conversações em relação aos planos e embora fosse decidido aumentar a coisa para cinco dias, decidimos que depois de lá estarmos logo se via os pormenores.

Há uns tempinhos que não via o nascer do sol, mas a longa viagem deu para saborear o raiar do dia com diferentes paisagens. Á hora marcada lá estavam eles, prontos para irem para dentro de água, ainda sob um ligeiro nevoeiro com tendência a desaparecer.

A 1ª decisão in loco foi descer desde o paredão de Cedillo até ao do Fratel, onde deixamos dois carros e partimos noutro. A chegada ao Fratel foi rápida graças a uma veloz SW que carregava os 3 kayaks e equipamentos, o local de partida foi o planeado, com um fácil acesso á água. Na entrada cuscamos logo todo o paredão, conscientes que se os espanhóis abrissem aquela coisa estávamos feitos, mas deu para tocar no cimento e vaguear por entre o mesmo sem stress. Entre montanhas lá partimos a um ritmo calmo, também para nos apercebermos da velocidade de cada kayak e respectivo remador e pouco tempo depois já tínhamos avaliado como iria ser, a paisagem era agradável e alta, densa vegetação sem viva alma, um paraíso só para nossa delícia. A galhofa e diversão começou e prolongou-se pelos dias seguintes. A primeira paragem foi feita em Vila Velha de Ródão, para comer algo ligeiro e saborear a beleza da paisagem, agora o cheiro é que era desagradável e parece que é sempre assim, fruto da indústria local. A imponência das portas de Ródão foi acompanhada de vento, que levantava umas ondas engraçadas, menos engraçado foi o vento estar sempre contra nós durante todo o percurso, o frio era suportável e o sol foi-nos brindando com a sua presença. O almoço fez-se perto de Santana, onde houve lugar a comida quente e a sesta em cima de armadilhas de pesca, local que pareceu confortável para a soneca ao sol.

O dorminhoco de serviço quando acordou em lugar da respectiva pagaia encontrou um remo de madeira, jeitoso por sinal embora algo pesado, fruto de partida brincalhona de dois sem sono, após procura infrutífera lá lhe foi dada a original, recusando o novo dono a pertença do novo remo, que por lá ficou para futura brincadeira.

Como nos atrasamos na refeição e na soneca, lá tivemos que dar ao braço para não chegar á noite. Foi altura de cada um imprimir o seu ritmo e avaliarmos as diferenças de andamento, tínhamos uma lebre de fibra, um coelho de fibra e um coelho de plástico, ou seja dava um três em linha, todos com velocidades diferentes, embora grande parte do tempo andássemos juntos momentos houve em que o três em linha fez-se notar, havendo sempre lugar a reagrupamento. Ainda a uns 5 quilómetros do Fratel encontramos um kayakista a solo que rumava no sentido oposto ao nosso, após um breve cumprimento e troca de incentivos continuamos a pagaiada até ao paredão, havendo tempo para umas fotos e conversa fiada. Este 1º dia deu para nos irmos conhecendo melhor e concluir que o bom espírito e camaradagem se iriam manter pelos dias seguintes. Chegados ao Fratel, ainda deu para conversarmos com um motoqueiro que por ali estava, apreciar a paisagem e ver a chegada do kayakista que ali andava a solo, que pela cara que fez pensou de certeza que éramos malucos para estarmos a descer o Tejo com este grease. Carregados os kayaks, teríamos que ir buscar o carro que estava em Cedillo e rumar para o acampamento, que decidimos que seria no Parque de campismo de Ortiga, pois o frio já se fazia sentir e queríamos era um banho quente. Um rumou para o parque para guardar lugar e os outros foram para Cedillo. Logo a chegada destes foi já de noite a Ortiga. Começamos com um bom banho, jantar e montagem de tendas. O frio era intenso e começamos a achar que realmente éramos doidos para ali estar com aquele tempo, o grelhador de serviço lá aqueceu um pouco o ambiente e após conversa longa a deita era desejada. Dois numa tenda e o outro sozinho noutra e fomos para o choco, pessoalmente preparei-me bem para o frio, não fossem os dois sacos cama, a roupa reforçada e barrete na cabeça iria ter frio de certeza. Os dois que partilharam a tenda dormiram bem, agora o desgraçado que dormiu sozinho diz ter rapado frio intenso, mas aprendeu a lição, pois na 2ª noite arranjou um local excelente para dormir lol.

A partida no segundo dia não foi a horas muito recomendáveis e ainda tivemos que conduzir até ao Fratel, embora a partida estivesse planeada para ser na Amieira do Tejo, um dos elementos teimava que o local tinha fácil acesso, fizemos-lhe a vontade e fomos ver. Era uma encosta bem acentuada, ainda por cima cheia de calhaus, mas mesmo assim fomos até lá ao fundo (sem kayaks) para avaliar a coisa, ou seja algo impróprio para descer com os botes. Uma vez lá no fundo e em vez de regressar pelo caminho mais acessível, fui desafiado para uma escalada por entre a ravina de pedras, não resisti e o dia começou com uma escalada de pés e mãos e no fim não havia frio nenhum, antes um calor intenso provocado por aquela íngreme subida, foi a 1ª aventura do dia.

Posto isto, rumamos à Amieira para a entrada na água planeada, local de facílimo acesso e de plena beleza. Da Amieira partimos em direcção ao paredão do Fratel, aqui mudamos o nome deste passeio, pois estávamos a subir o Tejo e não a descer. A paisagem é muito mais agradável e bonita do que a do 1º dia. Chegados ao paredão lá tivemos que tocar no cimento, acho que ansiamos que eles abram as comportas para nos ajudar a vir por aí a baixo, mas mais uma vez não aconteceu e após por ali circularmos e fotografarmos iniciamos novamente a descida. Ainda fomos explorar um braço de um riacho, com uma beleza verdejante, mas este caminho revelou-se tortuoso e quem lá deixou um bocado na rocha foi o homem destemido do plástico, ficando o topo da rocha plastificada. Chegados à Amieira paramos para o almoço, local com mesas, fonte e de excelente paisagem, como o almoço era de refeição quente, quem não aderiu á moda toca de dormitar ao sol novamente. Mais uma vez uma refeição demorada que depois do atraso já ganho pela manhã iria impedir uma chegada ao paredão de Belver diurna. Logo na partida deparámo-nos com o primeiro açude navegável e com corrente, um pequeno rápido que exigia uma escolha de caminho para os fibrados, mas que foi bom de se fazer e ultrapassado sem riscos. A paisagem é muito agradável e mais diversificada e bonita do que no dia anterior, deu para ver por algumas vezes lontras e até um casal de lontras que brincavam destemidos na margem a poucos metros de nós. Há passagem pelo Castelo de Belver o dia começava a escurecer e como não tínhamos faróis tivemos que dar ao braço, o que já não evitou chegarmos de noite, afinal sempre fizemos uma nocturna. O vento não nos favoreceu e o frio fez-se sentir ao final do dia e entramos pela areia a dentro da praia fluvial de Ortiga num breu nocturno com um frio de rachar. Faltavam-nos ainda duas viagens, ir buscar o carro à Amieira do Tejo e colocar outro em Constância e regressar para a dormida em Ortiga. Esta opção de desejar ter os carros sempre perto deu trabalho e fez-nos fazer muitos km, mas também se revelou compensatória no sentido de ter-mos sempre tudo á mão sem andar a carregar tudo nos kayaks. Mais um acampamento no parque de Ortiga, mais uma grelhada, mais muita conversa e mais uma dormida. O friorento da noite anterior não quis voltar a sofrer e toca de arranjar um sítio quentinho para dormir, pois os vapores largados de muitos banhos e com portas e janelas fechadas até parecia que estava em casa, pois é o que já perceberam, pegou no colchão e saco cama e toca de ir dormir para a casa de banho, o duche para os deficientes estava sequinho e era a assoalhada maior, local perfeito para uma boa pernoita e um bom sono. Bem podia ter sido melhor, não fosse a meio da noite por lá aparecer um velhote que foi fumar e incomodar o nosso campista de WC com o fumo, o homem ficou danado pois não suporta fumo de tabaco, mas que dormiu sem frio, lá isso dormiu.

Já com algum cansaço, esta gente deixou-se dormir pela manhã e a partida de Belver foi quase ás 11 da manhã, horários era coisa que não se estava minimamente a cumprir, mas teríamos que estar ás 17.30 H. em Constância no Posto de Turismo para nos abrirem o Parque de Campismo ou então dormiríamos na rua, sem banhinho quente e sem outros confortos. Lá entramos na água, um frio de rachar, a chuva a cair, um vento terrível de proa e a corrente que aqui deveria existir (pois não havia mais barragens pela frente) pura e simplesmente não existia, ou a senti-la era a andar para trás. Enfim tivemos um dia terrível, nada agradável, sempre molhados e com frio. Esta parte do Rio foi a que apesar de tudo mais gostei, quer pela beleza da passagem, quer pelo rio se apresentar mais estreito, quer pelos muitos açudes que passamos a navegar ou a pé, infelizmente o mau tempo e o tempo contado ao segundo não deram para apreciar devidamente a beleza, as paragens quase não existiram e foi um percurso sempre em esforço e ao ritmo máximo. As distâncias entre nós iam aumentando e passamos quase todo o percurso os três em linha, havendo reagrupamentos nalguns açudes, bem como umas ultrapassagens, esta é uma parte adequada aos kayaks de plástico devido aos muitos açudes e pedras, exigindo mais atenção aos pilotos de fibras, mais passagens á mão, mais paragens para ver se não tinham partido com as pancadas, demorar mais para escolher os caminhos, enfim os fibrados ganharam mais uns valentes riscos mas nada que comprometesse a fiabilidade e navegabilidade das grandes máquinas, a determinada altura já nem me importei muito com a fibra, era pagaiar e siga.

Mas até o de plástico sofreu uns bons lanhos, quando começou estava como novo, quando terminou já lhe faltavam uns bons bocados, mas que se portou muito bem portou, até o açude do Pego desceu, excelente barco e com bom piloto náutico, que embora tenha ficado parado em cima de uma pedra a meio do açude com uns bons saltos de rabo acabou por o descer. Aí a fibra teve que ir á mão, ou teriam lá ficado de vez. O Almoço foi feito tardiamente em Abrantes, na praia local debaixo do chão dos restaurantes ali situados e que bom abrigo, pois chovia desalmadamente e o vento enregelava todos os ossos, mesmo assim não se perdeu o hábito da refeição quente, mas hoje sem soneca e sem percas de tempo. A parte do percurso que mais gostei foi esta, desde Belver até Abrantes. O Açude de Abrantes tinha as comportas todas abertas e a altura era agora bem maior do que a vista de cima aquando do reconhecimento, portanto só restou sofrer mais um pouco e carregarmos os kayaks á mão para a transposição. O atraso matinal, o terrível tempo (ou tempestade) e os muitos açudes fizeram-nos perder muito tempo e estávamos muito atrasados para chegar a Constância, portanto os fibrados resolveram pagaiar e dar gás para chegarem á chave que nos daria um banho quente, ficando o plástico para trás mas sempre á vista. Nesta parte o rio apresenta muitas zonas baixas onde tem que se navegar com cuidado pois embora haja muitas zonas de areia, existem também muitas de pedra. As margens são baixas com muitos locais agradáveis para paragens, infelizmente não as podíamos fazer, bem como as fotografias que foram deixadas de tirar pois as máquinas não aguentariam a chuva. Com esforço de braços e já cansados lá chegámos ao posto de turismo ás 17.31 H., altura em que as funcionárias já estavam de saída, foi por um triz, mas conseguimos garantir o banho quente e o quarto para dormir. Entretanto lá chegou o homem do plástico, mais descansado mas molhado. Nesta parte do rio quero realçar uma corrente de água que desci, que era forte e exigiu destreza de braços para não me enfiar contra um calhau e que nestas manobras tive o prazer de me confrontar com duas lontras que subiam o rio e que passaram a uns 20 a 30 cm de mim, adorei ver aqueles animais a nadar e a enfrentar a corrente, bem como a passarem tão junto a mim sem se assustarem e nesse preciso momento ao tirar a cabeça da água uma delas olhou-me nos olhos e prosseguiu, momento de beleza pura.

Chegados ao Parque de Constância, tivemos que voltar a Ortiga para ir buscar os outros dois carros. Depois deste terrível dia o banho quente soube mesmo bem, bem nem para todos, pois houve um que não tomou pois a água ficou fria, uma torneira pifou e não se conseguia fechar, estávamos em dia negro. Como o parque estava por nossa conta desenrascamo-nos fechamos a torneira de segurança e demos traulitada na maldita torneira até ela fechar de vez. Com tanta peripécia já não havia paciência para cozinhar e fomo-nos deliciar com um bom jantar num restaurante local, enfim descanso, comida e muita conversa. Regressados ao parque fomos brincar com um atrelado cheio de kayaks, mas a coisa correu mal, quem é que depois segurava o atrelado no sítio, enfim uma cambada de doidos lol, decididamente não foi o nosso melhor dia. O cansaço era tanto que montar tendas estava fora de questão, dormir nos carros não dava jeito com tanta tralha por lá, a melhor opção foi dormirmos todos no WC multiusos. Pois foi, literalmente acampamos lá dentro, só lá faltou guardar os kayaks, pois até mesa e cadeiras tínhamos para o pequeno almoço, quartos individuais e aquecimento central de chuveiro (pois voltou a água quente). As indicações que os locais nos deram é que no dia seguinte o tempo estaria igual (tempestade) e começamos a pôr a hipótese de abortar a operação, pois não tínhamos ido para ali para sofrer, mas para nos divertirmos e pagaiar. Fomos dormir com a ideia amanhã se vê. No dia seguinte ninguém acordou cedo, tudo ferrado e com algum cansaço acumulado. O tempo até estava calmo e sem chuva, mas depois de um longo e bom pequeno almoço cancelamos o resto da descida, para continuá-la quando o tempo estivesse melhor. Realmente esta data não foi a melhor para este percurso, mas como metemos na cabeça que tinha que ser este ano e somos teimosos, foi a data possível. Ainda se foi até ao Castelo do Almourol, a Vila Nova da Barquinha em passeio e depois fomos almoçar a Valada, de onde seguimos para casa. Foram dias muito bem passados (apesar do mau tempo), bom companheirismo, boa diversão, belas e agora conhecidas paisagens e muitas mais peripécias que por aqui nem mencionei nesta já muito longa descrição, enfim vamos lá voltar no futuro e fazer a descida do inicio ao fim, será a 3ª Parte, mas com bom tempo.

Mais fotos em http://picasaweb.google.com/soulwateri
SoulWater

2 comentários:

Anónimo disse...

Hello Simon,

do you speak Englisch (or German) ?

I don´t speak Portugies, but little bit Spanish

I have some questions to Tejo, I discovered your blog and Forum of amigosdapagaia.com, where I left the following message to you:

march 31 I fly to Lisboa with foldable Kajak (Feathercraft), then by train up to Castelo Branco, nearest train station to Alcantara (75 km by taxi).

I don´t have description from Alcantara, but according to google earth it´s easy. Of course I take tent with me.

And I´m well experienced (Rio Douro from Saucelle to Porto Rio Guadiana from Caceres to Mourao - before Alqueva dam was ready !!)

I have one topograhic 1: 50 000 map of Alcantara only to find an good acess with boat,
then down 1:300 000
later down from Fratel till Lisboa 1: 200 000 scale

I don´t have information about which side (left or right) to carry around the 3 dams (Cedillo, Frater, Belver)

I will use a cart with 2 wheels under my boat to move around the dams.

The dam at Abrantes that I see at photo of your blog: Is it new ??? Cause not to see at google earth.

Peter

SoulWater disse...

Hello Peter
My name´s José. I can help you with informations, but is better if you contact me for my e-mail: soulwateri@gmail.com and give me yours.
Best reggards
Soulwater